Comoção Social: Morte Ayrton Senna
Por: Gabriela Coelho
“Ayrton Senna sempre foi alguém que admirei muito.
Seu talento, para mim, era incrível.” Charles Leclerc, piloto da Ferrari.
“Ser tricampeão na terra de Ayrton Senna, um dos meus heróis, é difícil de colocar em palavras.”
Sebastian Vettel, piloto da Aston Martin, tetracampeão mundial em 2010, 2011, 2012 e 2013.
“Eu comecei a ver Fórmula 1 com o meu pai aos cinco anos e eu amava o Ayrton. Ele era um ícone e um líder, foi quem me inspirou a correr.”
Lewis Hamilton, piloto da Mercedes, sete vezes campeão mundial.
“Ele tinha um talento divino que eu nunca testemunhei em mais ninguém. Ele tinha esse dom.”
Martin Brundle, ex-piloto britânico.
“Nós ficamos muito próximos nos últimos seis meses, muito próximos. Nos encontrávamos com muita frequência. É um grande arrependimento da minha
vida, não mostrar como foi esse relacionamento para o mundo. É o que eu sinto falta em Ayrton.”
Alain Prost, ex-piloto francês.
“Na minha época de Kart, na infância, eu acompanhava muito o Ayrton Senna e o Vincenzo Sospiri (ex-piloto italiano). Eu os admirava muito porque eram grandes pilotos.”
Michael Schumacher, ex-piloto alemão.
Em um universo tão disputado e luxuoso como o da Fórmula 1 é difícil, para não dizer extremamente raro, se deparar com uma unanimidade tão grande. Em um esporte que é repleto de brigas, rivalidades e troca de farpas, uma única opinião prevalece: não há e nunca existiu alguém à altura de Ayrton Senna.
A Fórmula 1 é a modalidade mais popular do automobilismo do mundo. O esporte, que resumidamente é a competição entre automóveis, possui várias categorias além da Fórmula 1: Fórmula Indy, Fórmula Truck, NASCAR, Rally Dakar, entre outras.
A modalidade foi criada oficialmente em 1950 pela Federação Internacional do Automobilismo (FIA), mas sua história começou bem antes. No final do século XIX eram disputadas as primeiras corridas de carro na Europa e, como na época não existiam os circuitos, as corridas eram feitas em estradas.
Alguns historiadores consideram 1895 como o marco do início da Fórmula 1, quando ocorreu uma corrida entre Paris e Bordeaux, na França. Outros pensam que 1901 é o ano em que a modalidade estreou, já que foi a primeira vez que uma corrida foi disputada com o nome Grande Prêmio (GP). Entre o primeiro ano do século XX e 1949 vários GPs foram disputados ao redor do mundo, com exceção dos anos da Primeira e Segunda Guerra Mundial. Porém, após a segunda grande guerra, a FIA decidiu organizar um campeonato com os principais Grandes Prêmios da Europa e, então, nasceu a Fórmula 1.
A partir dali o esporte foi se destacando, ganhando cada vez mais visibilidade e chegando a países que estavam de fora dos principais circuitos, como o Brasil. As primeiras transmissões de Fórmula 1 no país começaram em 1970 e a primeira corrida ao vivo foi o GP da Grã-Bretanha, no dia 18 de julho do mesmo ano, quando ocorreu a estreia do brasileiro Emerson Fittipaldi.
Para se ter uma noção do tamanho do impacto da Fórmula 1, foi também em 1970 que o futebol, o esporte mais popular do país, do qual o Brasil já era bicampeão, fazia sua estreia ao vivo para o público brasileiro. Apesar de ter começado deixando a desejar, pois não havia estrutura para transmitir todas as corridas, ao longo dos anos a Fórmula 1 ia ocupando ainda mais espaços e se tornando presença constante na casa dos brasileiros.
Se a modalidade já estava conquistando os corações dos brazucas, a partir de 1981 assistir aos Grandes Prêmios era quase um ritual. O efeito Ayrton Senna havia coberto o país.
O que significa ser um herói, daqueles que as pessoas leem nos quadrinhos e que as crianças se fantasiam nos aniversários?
Os personagens criados nos quadrinhos e nas telas são, na maioria das vezes, alguém que possui superpoderes, tem um inimigo a enfrentar e possui como missão salvar o mundo ou evitar alguma catástrofe. Esse é o principal enredo dos grandes sucessos cinematográficos do século XIX, mas para ser um herói é preciso mais do que isso.
Ser um herói é ser alguém bom, que está sempre disposto a ajudar os outros e que usa os seus “poderes” para o bem. Ele é guiado por ideais nobres e altruístas e suas motivações são sempre moralmente justas ou eticamente aprováveis, representa facetas e virtudes que o homem comum não consegue, mas gostaria de atingir. O herói é espelho. As pessoas querem ser como ele e, como não conseguem, a maneira de se manterem ainda por perto é cultivando o sentimento de idolatria.
Um ídolo é um objeto de adoração que representa materialmente uma entidade espiritual ou divina. Entretanto, na atualidade o termo se expandiu da esfera divina para a humana. Artistas, personalidades importantes, esportistas e políticos, através da aclamação popular, se tornam objeto de adoração e devoção não religiosa.
Herói e ídolo são representações diferentes, mas ambos são características atribuídas a Ayrton Senna. Ídolo, foi e ainda é adorado e lembrado por milhões de brasileiros. Herói, as pessoas se inspiravam nele e nas suas conquistas. Assim como um super-herói na tela do cinema, Senna prendia a atenção das pessoas por mais de uma hora durante suas corridas e fazia as pessoas ansiarem a ser como ele.
“A Fórmula 1 ganhou uma importância com o Senna que nunca teve no Brasil, por isso toda essa comoção. Nós já tínhamos campeões do mundo, o Emerson Fitti- paldi tinha sido campeão duas vezes e o Nelson Piquet foi campeão três vezes, mas o Ayrton era diferente de to- dos eles.”4
Nilson César, narrador da rádio Jovem Pan.
“Senna era unanimidade e nem Pelé foi unanimidade. Até hoje se questiona se o Maradona foi melhor do que Pelé. Mesmo os pilotos que não gostavam d’ele, eram in- capazes de abrir a boca pra dizer que Senna não tinha talento.”5
Fábio Andrade, economista e fã de Fórmula 1.
Paulistano do bairro de Santana, Ayrton Senna da Silva nasceu dia 21 de março de 1960. Desde pequeno a velocidade já corria em seu sangue e, com apenas quatro anos, já brilhava nas pistas de Kart. Filho de um empresário de uma indústria de acessórios automotivos, seu pai foi um de seus maiores incentivadores. Foi o Sr. Milton quem presenteou Senna com seu primeiro Kart, construído pelo mais velho e com um motor de um cortador de grama.
No Kart, a paixão pelos automóveis só aumentou e, aos nove anos, Ayrton já conduzia jipes com uma destreza invejável. Logo mais, aos 13 anos, começou a competir profissionalmente e já na sua primeira corrida, apesar de ser mais novo que a maioria dos outros pilotos, liderou grande parte do percurso e ganhou a atenção de quem assistia.
Durante quatro anos, Senna ostentou diversos “segundos lugares” e era questão de tempo para que, finalmente, alcançasse o lugar mais alto do pódio. E o feito veio em 1977, quando venceu o Campeonato Sul-Americano de Kart. Ali o, até então, menino de 17 anos sentiu pela primeira vez o gosto saboroso de uma vitória e decidiu que era aquele o seu lugar.
Com o objetivo de se tornar um grande piloto, Senna dedicava inúmeras horas do seu dia em treinamentos e, em 1981, deu um grande passo em sua carreira ao começar a competir na Europa. Lá, ele ganhou o campeonato inglês de Fórmula Ford 1600, em que bateu a marca de 12 vitórias em 20 corridas.
Ele decidiu usar o sobrenome de solteira de sua mãe, Senna, já que Silva era um nome muito comum no Brasil, e foi nessa época que nasceu oficialmente Ayrton Senna.
Nos dois anos que se seguiram, ele seguiu o que era esperado: mais títulos e vitórias para a conta do piloto que estava imparável, em sua melhor forma e em um ritmo ascendente. Foi em 1984 que ele estreou na Fórmula 1, coincidentemente no Grande Prêmio do Brasil, mas foi apenas no circuito da África do Sul, seu terceiro GP, que ele marcou seu primeiro ponto. Fato que se repetiu duas semanas depois no Grande Prêmio da Bélgica.
Senna atraiu a atenção de várias equipes do automobilismo, como Williams, McLaren, Brabham e a Toleman. Inclusive, chegou a realizar testes em carros das duas primeiras. Porém, foi da pouca conhecida Toleman que veio a primeira proposta oficial e Ayrton aceitou, segundo ele: “Era melhor assinar com a Toleman do que me aposentar no automobilismo”.
Na sua primeira temporada competindo entre os melhores do mundo, Senna terminou o campeonato na nona posição, com 13 pontos e, no ano seguinte, em 1985, ele deixou a Toleman e passou a correr pela Lotus, o que considerava um ambiente mais promissor para o desenvolvimento da sua carreira. Ele conseguiu seis vitórias: Portugal e Bélgica, em 1985; Espanha e Estados Unidos, em 1986; e Mônaco e Estados Unidos, em 1987. Foi durante esse período na Lotus que Senna ficou conhecido como o “Rei da Pole Position”, devido aos seus tempos durante os treinos. Mas ele queria
mais e já estava na hora de mudar de casa mais uma vez para chegar ainda mais longe.
Para alçar voos ainda mais altos e ser campeão da Fórmula 1, Ayrton precisava competir por uma equipe maior, mais bem preparada e com melhores automóveis. Na época, os melhores carros eram da McLaren e da Williams, com a Ferrari vindo um pouco atrás. Foi então que as portas da McLaren se abriram para ele, que começava ali a trilhar um caminho vitorioso que o levaria ao lugar mais alto da Fórmula 1.
Diferente da Toleman e da Lotus, na McLaren Senna tinha um companheiro de equipe à sua altura, o bicampeão Alain Prost. Juntos, os dois venceram 15 das 16 corridas da temporada de 1988 da Fórmula 1 e desenvolveram uma relação pouco amistosa, trazendo um clima de “guerra” para dentro da equipe.
A decisão do campeonato ficou para a última corrida, em que Senna precisava de uma vitória para se sagrar campeão mundial. Apesar de muitas adversidades ao longo do percurso do Japão, o brasileiro, que durante a corrida chegou a cair para a 14 posição, se recuperou, venceu a corrida e conquistou seu primeiro título da Fórmula 1.
A rivalidade entre os dois pilotos da McLaren continuou em 1989 e mais uma vez o campeonato foi decidido no Japão. O francês liderava a corrida e uma ultrapassagem perigosa de Senna acabou os tirando da pista. Prost desistiu da corrida, mas o brasileiro continuou e venceu. Contudo, os diretores entenderam que ele havia cortado caminho para retornar à pista e o desclassificaram. Como Alain Prost era, até então, o líder do campeonato, a partir dessa decisão ele se sagrou campeão mundial, piorando ainda mais a guerra psicológica entre os dois.
A relação entre eles era insustentável dentro da McLaren e Prost sentia que Ron Dennis, chefe da equipe, tinha uma preferência por Senna. Então, no final de 1989, Alain Prost deixou a McLaren e se juntou à Ferrari. No seu lugar foi contratado o austríaco Gerhard Berger, que mais tarde se tornou um dos melhores amigos de Senna.
No ano seguinte, mais uma vez a disputa do campeonato mundial ficou entre Alain Prost e Ayrton Senna. Dessa vez era o brasileiro quem liderava o campeonato; um duplo abandono daria o título para ele e foi isso que aconteceu. Em uma espécie de revanche pelo ocorrido em 1989, Senna forçou uma ultrapassagem em Prost, o que acabou por tirar os dois da corrida e deu ao brasileiro seu segundo título da Fórmula 1.
Em 1991 Alain Prost não conseguiu manter seu ritmo na Ferrari e abriu caminho para que Senna corresse em direção ao seu terceiro título, que veio a se confirmar no final da temporada. Foi nesse ano a primeira vez que ele venceu em solo brasileiro, em Interlagos, e pôde então levantar o troféu em frente aos milhares de brasileiros presentes.
“Era um cara muito bem-sucedido, de família rica e, mesmo assim, tinha orgulho de levantar a bandeira do Brasil. E aquele Brasil da época era um país muito mais pobre e com muito mais miséria. Todo trabalho social que ele fazia era fora de série. Era realmente um herói nacional”. É assim que o economista Fábio Andrade descreve quem foi Ayrton Senna.
Para todos que nasceram após 1994, ou eram muito pequenos na época, é muito difícil entender o que era e o que significava a figura de Senna para o Brasil. Não se tem essa representação atualmente. O que faz um país inteiro se sentar diante da televisão para assistir um campeonato esportivo? Nos dias de hoje nem o futebol tem mais esse poder. Então, é realmente muito difícil pensar que um personagem como Ayrton Senna, com tanto impacto na sociedade brasileira, tenha realmente existido.
“O lazer dos domingos só começava depois da Fórmula 1. Primeiro tinha a sessão da Fórmula 1 e depois que acabasse aí sim começava o domingo em família”, conta Fábio, fã assíduo de esportes e mais ainda de Fórmula 1. Ele acompanha as corridas desde 1980, assistiu gigantes como Michael Schumacher, Nelson Piquet e Lewis Hamilton, mas tem um carinho especial por Ayrton Senna: “Ele era brilhante em tudo que ele fazia, era um piloto diferenciado. Um piloto contra quem você não podia bobear”.
Naquela época o Brasil passava por uma fase difícil, havia acabado de sair da Ditadura Militar e estava quebrado economicamente. A alegria das pessoas era depositada nas corridas de domingo de manhã, como relata Fábio:
“Num país muito mais difícil e mais pobre do que nós temos hoje, enfrentando muito mais dificuldades, ele conseguia ser um momento de felicidade para a nação. O brasileiro podia estar sem um lugar para morar e com fome, mas no momento de assistir Ayrton Senna era como se tudo isso fosse para debaixo do tapete. Só havia a emoção e orgulho de ser brasileiro naquele momento.”
A rivalidade com Alain Prost também contribuiu para a criação dessa imagem de herói nacional. Nas histórias em quadrinhos e nos filmes das maiores franquias, o herói sempre é colocado frente a frente com o vilão e, no roteiro de Ayrton Senna, o inimigo a ser batido era o francês. “Até hoje, quando se fala de Senna, fala de Prost, e vice-versa. Ele é parte da minha vida e da minha carreira. Nós corremos juntos, não por muito tempo, como colegas de equipe por dois anos. Foi muito bom. Quando você tem esse tipo de rival e de luta, você se coloca em outro nível”, declarou Prost em entrevista à ESPN Brasil, em março de 2020.
Mas assim como todo herói, a história de Senna tinha que ter um pouco de drama e sua saída de cena tinha que ser triunfal. Em um acidente que paralisou o Brasil e o mundo, o super Ayrton Senna se despediu do campeonato da vida de maneira inesperada, mas deixou nos corações brasileiros sua marca. Ele morreu fazendo o que amava e cumpriu sua missão até o fim: trazer alegria para o povo brasileiro.
“Aquele final de semana foi um final de semana tenebroso. Na sexta-feira quase morreu o Rubinho Barrichello em um acidente gravíssimo. No sábado morreu o Roland Ratzenberger, piloto austríaco, e no domingo morreu o Ayrton. Então, foi um final de semana de mortes”, conta Nilson César, narrador da Jovem Pan que estava em Ímola transmitindo a corrida do fatídico acidente.
O Autódromo Enzo e Dino Ferrari é localizado a 40 km de Bolonha e a 80 km da fábrica da Ferrari, na cidade de Ímola, na Itália. O circuito recebeu corridas da Fórmula 1 entre os anos de 1980 e 2006 e foi palco da última exibição de Ayrton Senna.
“Não era o Ayrton que eu conhecia, ele estava realmente preocupado”, lembra Alain Prost de quando encontrou Senna no sábado em Ímola, um dia antes da corrida. Segundo o francês, o brasileiro era sempre muito forte, mas nesse dia estava demonstrando uma fragilidade que até então ele nunca havia deixado transparecer. “Perguntei para ele o que ele estava esperando da corrida e ele disse que não estava muito confiante”, relatou Prost, afirmando que nunca tinha visto Ayrton daquela maneira antes.
E a inquietude de Senna não era para pouco. Aquele final de semana de 1984 ficou conhecido pela imprensa especializada como o fim de semana mais sombrio da história da Fórmula 1. Na sexta-feira, o brasileiro Rubens Barrichello sofreu um acidente terrível, do qual poucas pessoas achavam que ele sairia vivo. No sábado, o carro do austríaco Roland Ratzenberger bateu a 320 quilômetros por hora e o piloto morreu quase que instantaneamente. Mas o que ninguém sabia é que esse não seria o último acidente, o dia seguinte reservava algo ainda pior.
Assim como relatado pelo jornalista italiano Giorgio Terruzzi em seu livro L’Ultima Notte di Ayrton Senna (A Última Noite de Ayrton Senna), o piloto foi aconselhado a não competir no domingo. Segundo Terruzzi, Senna pediu ao chefe da Williams, sua atual equipe, para que a corrida de domingo fosse cancelada, pois depois dos acidentes de sexta e sábado, nenhum dos pilotos estava em condições de competir. Seu pedido não foi bem-sucedido e pouco depois das oito horas da manhã do domingo, Senna chegou ao circuito e, já dentro do carro na pista, enviou uma mensagem pelo rádio ao seu eterno rival Alain Prost, que estava no estande dos comentaristas: “Alain, sinto sua falta”.
Foram apenas seis voltas completas, até que na sétima, na curva Tamburello, Ayrton Senna perdeu o controle do seu carro e colidiu com um muro a quase 300km/h. “Eu tive noção que era algo sério desde os instantes da batida. Lembro que eu falei assim ‘bateu o Ayrton’, aí quando eu vi a gravidade eu falei ‘minha nossa senhora’, pode ver a minha expressão”, conta Nilson, que estava ao vivo na rádio Jovem Pan.
O braço direito da suspensão dianteira foi em direção à sua cabeça e o atingiu abaixo da viseira, como lembra o jornalista brasileiro: “O Ayrton deu muito azar, porque a barra de suspensão furou a viseira. Eu acho que se bate no casco do capacete ele estaria vivo hoje. Com um espaço mínimo de distância entre a viseira e o resto do capacete, ele estaria vivo”.
Ele chegou a mexer a cabeça dentro do carro pela última vez, o que chegou a dar uma certa tranquilidade aos espectadores, como contou anos depois Rubens Barrichello: “Quando vimos sua cabeça se mexer no carro, pensamos que ele estava vivo”.
Foram cerca de quatro minutos para que o retirassem do carro e o levassem de helicóptero até o hospital mais próximo, na cidade de Bolonha. Nilson César finalizou a transmissão da corrida e foi imediatamente para lá: “Eu cheguei lá com a certeza da gravidade do problema e sem esperança. Ninguém dava esperança, os médicos mostraram que o quadro era delicadíssimo”.
Às 18h40 do dia 1 de maio foi atestada a morte cerebral de Ayrton Senna. O jornalista estava no hospital e recebeu a notícia em primeira mão da médica:
“Eu desci no elevador junto com a médica e ela falando ‘Ayrton é morto’. Foi um negócio duro, porque a gente conviveu muito tempo com ele, eu passava mais fins de semana com ele pelo mundo, do que com os meus filhos crescendo em casa.”
Três dias depois, 4 de maio, o corpo de Ayrton Senna chegou a São Paulo e a cidade que nunca para, nesse dia, parou. O governo brasileiro declarou luto oficial de três dias e concedeu a Senna honras de chefe de Estado. O velório durou 22 horas e foi aberto ao público, o que ocasionou filas imensas para se despedir do ídolo nacional e reuniu aproximadamente 240 mil pessoas.
A carreata e cortejo do corpo do piloto também contaram com a presença de muitos fãs. Multidões se amontoavam nas avenidas, como na Marginal Tietê, para ver o carro do Corpo de Bombeiros passar em direção ao cemitério. O enterro foi realizado e transmitido ao vivo no dia 5 de maio e a comoção que tomou conta do país foi algo jamais vivido de novo. “Foi uma sensação de vazio. Eu chego a me arrepiar, porque pra mim foi como se tivesse perdido um ente querido. Eu até senti, talvez, mais emoção na perda de Ayrton Senna do que de algum ente querido, porque o Ayrton era de nossa casa, todos os domingos ele estava dentro da nossa casa. A sensação foi de perda de um herói nacional, o Brasil não ia conseguir produzir rapidamente um substituto à altura dele”, declara Fábio.
Quem esteva presente no enterro foi Cláudio Carsughi. Jornalista ítalo-brasileiro e especialista em Fórmula 1, ele cobria o esporte na época e, desde quando conheceu o piloto, desenvolveu uma relação de respeito e reciprocidade: “Eu pessoalmente conheci o Senna em Jacarepaguá, numa oportunidade em que a Ford estava lançando o Escort (carro produzido pela Ford do Brasil). O Senna estava lá e cada jornalista andava sozinho e depois com o Senna (no carro)”. Após esse encontro e algumas discussões sobre o carro em questão, começou o que Carsughi classificou como “conhecimento recíproco entre eles”, com base no respeito por ambas as profissões.
Cláudio trabalhava como correspondente internacional de um jornal italiano, o Tuttosport, e teve como incumbência cobrir a chegada do corpo de Senna ao Brasil e o velório. “Eu me lembro que fizemos duas páginas falando da comoção, da reação popular no Brasil. Foi um momento triste, que eu vivi como jornalista, mas que era o esperado”, conta o jornalista, que não encarou a comoção da população com surpresa, afinal Senna era unanimidade no país, quase como uma força da natureza: “Fora do país, ele representou um dos maiores pilotos de todos os tempos. E, aqui no Brasil, tornou-se um ídolo”.
O país estava em estado de choque, ninguém havia ainda assimilado o que tinha acontecido. Como assim, o grande Ayrton Senna havia falecido? Como assim ele não seria mais companhia para milhares de brasileiros nas manhãs de domingo? Como assim as pessoas não ouviriam mais a trilha sonora clássica de quando ele vencia uma corrida?
A ficha só foi cair 15 dias depois no Grande Prêmio de Mônaco, a primeira competição após a morte de Senna. O clima entre todos os presentes era muito pesado e, segundo o jornalista Nilson César, aquela corrida foi um imenso vazio:
“A corrida seguinte era a corrida de Mônaco, coinciden- temente, onde o Ayrton dava show. Foi um vazio imenso, parecia que a gente estava na extensão do funeral dele. Foi um negócio assim vazio, todo mundo sentindo.”
Se tem algum ensinamento que o acidente e a morte de Ayrton Senna trouxe foi a preocupação da Fórmula 1 em relação à segurança dos pilotos. Antes esse assunto era pouco discutido e nunca havia sido uma prioridade para os organizadores, porém após a morte de Senna foram tomadas medidas que levaram a Fórmula 1 a passar 20 anos sem nenhuma morte. Hoje em dia os cuidados com a prevenção de acidentes é enorme e o acidente de Senna foi, sem dúvidas, crucial para que houvesse essa conscientização, que com certeza ajudou a salvar a vida de muitos pilotos.
Com um roteiro digno de filme hollywoodiano, Ayrton Senna deixou a sua marca em sua passagem na Terra. Com uma saída de cena dramática e dolorosa, ele reafirmou sua posição de herói: se sacrificou por uma causa maior e era bom demais para esse mundo.